Os géneros musicais chegam ao desgaste quando explorados em demasia. Deve
acontecer com quase todos, quando a repetição começa a prevalecer em detrimento
da novidade. E fica difícil superar os pioneiros e todas as bandas que
representam esses modelos. No entanto, há sempre uma variável opositora a tudo
isto: o vento capaz de alterar a altura das ondas do mar.
Distribuído em seis
temas, o álbum dos portugueses Heavy Ocean "H/O", lançado em Agosto
de 2021, é um cartão de visita impactante que visualmente poderia ser ilustrado
com o mar furioso da Nazaré e uma onda da dimensão de Kanagawa, pintada por Hokusai. O trio composto por Ricardo Vasconcelos, a quem se
deve a autoria do design, Tiago "JAYMZ" Oliveira (Lhabya) e Hakän Säs
Hipolitür tanto cabe no ambiente heavy-metal mais cerrado como no mais ecléctico.
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Heavy Ocean |
- Os Heavy Ocean não são recentes nisto de ter bandas, pois não? Como se dá
a reunião? Sei que por alguns anos eram um duo e depois juntou-se o baixista
num encontro acidental no Stop.
Hakän - Não é a nossa primeira experiência com bandas, mas
tirando o Tiago que já tem uns anos disto, para os restantes, Heavy Ocean é o
seu primeiro projecto a sair da sala de ensaio de forma mais séria.
O projecto nasceu em 2016 quando o Tiago propôs a ideia
ao Ricardo de comporem algo diferente do que até então tinham feito em outras
bandas. Inicialmente a ideia seria serem apenas os dois, só guitarra e bateria,
mas à medida que iam compondo, foram sentindo falta de algo mais para
complementar. Paralelamente a isto, eu ensaiava perto da primeira sala
de ensaio de Heavy Ocean e gostava de ficar por perto a ouvir o som que “fugia”
das paredes. Quando soube que o Tiago (que já conhecia de outras guerras) era
um dos membros do projecto, e que ainda não tinham baixista, propus-me a uma
audição. Foi já com os três que surgiu o nome Heavy Ocean.
- Lembro-me do Tiago, mas
não na bateria. Olá Tiago, já não nos falamos há muito e, já agora, parabéns,
noto que colocas um dedo criativo na bateria, por exemplo, a “Pale Horse” tem
detalhes interessantes, e não a utilizas apenas como instrumento de
acompanhamento. Davas voz aos Lhabya nos idos anos 2000, e sei que tiveste um
problema nas cordas vocais, o que acabou por fragilizar a tua continuidade na
banda. Já tocavas bateria desde aí ou foi um instrumento que foste tendo
interesse mais tarde?
Tiago - Olá Priscilla!
Antes de mais obrigado pela entrevista e pelas palavras. É verdade, já nos
conhecemos há tantos anos e voltamos a encontrar-nos novamente graças à primeira arte. A bateria foi a primeira paixão, desde que tinha malta da
terrinha com bandas de baile que ficava vidrado a olhar para aquele
"monstro" e cheio de vontade de lhe dar porrada. Até que um dia o
guitarrista dessa mesma banda me deu essa oportunidade na sala de ensaio deles
e, assim que me sentei, fiquei agarrado de tal forma, que a hora que lá estive
passou em 8 segundos, como acontece agora nos concertos. Ahahah! Pode-se dizer
que foi amor à primeira pancada. Curiosamente tenho uma composição escrita por
mim em '91, antes desse episódio, em que me pediram para dizer o que queria ser
quando fosse grande, na qual afirmei, com toda a convicção de um puto de 9 anos, que queria ser músico e que o instrumento que queria tocar era a bateria. Pois
bem, passados 33 anos, esse sentimento está bem vivo e neste momento já não dá
para suportar as agruras da vida adulta sem música, tocada, ouvida e
principalmente sentida. E, na realidade, ainda sou esse puto, que toca com o
coração na boca, com a intensidade que sente a música, e se calhar isso é que
te fez perceber que sim, a bateria em Heavy Ocean nunca será só acompanhamento,
mas sim uma terceira "voz", que se tiver que sair da forma
tradicional de seguir o baixo sai, se for isso que a música pede. Porque no
final, se lhe fizermos a vontade, ela indica-nos o caminho e depois é, como
referi, seguir o coração, pois existe um motivo para ele ser o nosso
único orgão ritmado e percurssivo.
- Assisto a algumas bandas que foram bastante enérgicas nessa altura e, por
força de várias razões, descontinuaram essa actividade. Mas agora sentem uma tremenda vontade em reaparecer. Qual a razão que apontam?
Tiago - Penso que na
altura era muito mais amor à camisola, um sentimento de paixão genuína pela
arte, sempre numa tentativa de imitar os nosso ídolos, mas tudo de uma forma
muito rudimentar. Recordo que era a altura ainda muito inicial da internet, não
havia todas estes meios de comunicação na net, não havia redes sociais, ou
pelo menos nos moldes actuais, em que num segundo conseguimos falar com um
músico ou produtor do outro lado do mundo. Era muito mais ir a concertos,
conhecer a malta, como te conheci a ti, quando foste tocar aqui perto da minha
terra, e depois tentar tocar juntos, onde nos deixassem, muitas vezes quase a
pagar para tocar. Hoje em dia as bandas começam logo com condições para chegar rapidamente
a um ponto que a nós levava anos. Basta comparares as nossas gravações em
K7, ou quem tinha mais posses em Mini Disk, onde ouvíamos mais tudo o resto que
a música propriamente dita. Hoje, um computador mais uma placa de som e fazes um
álbum inteiro sozinho, no quarto. E se calhar, essa facilidade está a atrair a
malta antiga para a música outra vez. Espero que estejas incluída nessa malta e
a pensar na reunião daquela tua banda incrível que eu tanto gostava e que nos
levou a conhecer-nos e a manter esta amizade até aos dias de hoje.
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Tiago "JAYMZ" Oliveira |
Gostamos da liberdade de interpretação que não ter voz dá às nossas músicas e até mesmo liberdade artística. Começa a acontecer várias vezes vermos as pessoas a vocalizar as nossas músicas durante os concertos, tem sido um efeito secundário interessante e com o qual não contávamos.
- Parece-me que, apesar de não serem mais uns miúdos, há uma certa
ingenuidade que perdura. O que pretendem com esta reunião a três? Ainda
acreditam que é possível em Portugal, para quem já andou nestas lides, sabe
perfeitamente que é um percurso ingrato...
Hakän - A música em todas as suas formas sempre foi algo
importante na nossa vida, de uma forma ou outra, com mais ou menos força,
sempre fomos alimentando este desejo de, acima de tudo, fazer música. O percurso é ingrato e difícil, mas o prazer de pisar um
palco e ver as pessoas a dançarem e a sentirem música feita por ti, é um
sentimento arrebatador e que dá ânimo para continuar a lutar.
- Embora não estejam presentes cordas vocais em H/O, não sinto que haja
necessidade. Mas não têm medo de cair no cliché do género, uma vez que o
post-rock e o post metal pendem, em grande parte, para o instrumental?
Hakän - Não temos esse medo, até porque existem muitas bandas do
género que optam por ter voz. Gostamos da liberdade de interpretação que não
ter voz dá às nossas músicas e até mesmo liberdade artística. Começa a
acontecer várias vezes vermos as pessoas a vocalizar as nossas músicas durante
os concertos, tem sido um “efeito secundário” interessante e com o qual não
contávamos.
- Como foi desenhado o conceito para este trabalho e como se deu o processo
de composição?
Hakän - Actualmente o processo de composição parte, na sua grande
maioria, de ideias que o Ricardo nos traz e depois vamos trabalhando os três. No
álbum, exceptuando a Numb que já foi composta com a formação completa, este
processo foi feito entre o Tiago e o Ricardo. Quando se juntou o baixo foi
preciso encontrar espaço para este fazer sentido de forma orgânica em músicas
que foram pensadas para apenas dois instrumentos.
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Ricardo Vasconcelos |
Sim, há muito que voltámos as costas ao mar, mais facilmente procuramos atenção, apoio e validação da Europa, do que arriscamos ser grandes atirando-nos para um mar desconhecido. Apesar desta realidade, cremos haver uma nova geração pronta a arriscar, inovar mas tendo em conta a nossa cultura e portugalidade.
- Como tem sido a resposta ao vosso trabalho?
Hakän - A aceitação do álbum tem sido bastante positiva,
principalmente no Spotify, onde temos números bastante interessantes para uma
banda da nossa dimensão. Em termos domésticos o feedback também é muito
positivo, felizmente quem decide dar uns minutos do seu tempo para nos ouvir
acaba por dar o tempo por bem gasto.
- Eu vejo o álbum como uma representação das fases do mar. O tema
introdutório: a maré que se vai enchendo, os quatro temas: o mar turbulento
acompanhado de ventos fortes e “Solace” a maré baixa. Portugal tem uma forte
ligação ao mar, mas cada vez mais parece que lhe vira costas para centrar-se
nas tendências europeias. Wim Wenders, em entrevista à Antena 1, declara, em 2019, no âmbito da relação que tem com Lisboa:
“Lisboa era uma cidade tão diferente, julgo que captámos o último vislumbre de
uma cidade que, entretanto, desapareceu. Foi uma sorte ter feito o filme em
’94, e não em ‘96, ou ‘97, porque acho que já não apanhávamos esse vislumbre -
o vislumbre de uma cidade antiga que começa a contactar com a modernidade do
séc. XX. Agora, a cidade está claramente no séc. XXI, aberta à Europa e de
diferentes maneiras, é semelhante a outras cidades do continente, mas na altura
não era assim.”. Acrescenta que “a Lisboa que encontrávamos em ‘94 foi a cidade
que viveu a Revolução, que ainda guardava traços colonialistas dentro de si,
ainda vivia separada do resto da Europa, por esse grande país chamado Espanha,
e Lisboa, sentia eu de uma forma muito marcada na altura, era uma cidade que se
derramava para o mar, estava virada para o mar, mais do que para as fronteiras
terrestres. E agora, quando regresso, sinto o contrário, é uma cidade que
contempla a Europa, é como se tivesse virado as costas ao mar, essa mudança
aconteceu, entretanto, e é algo de muito significativo, uma cidade virar-se
para o outro lado.”. A cidade aqui, pode representar o país. Concordam com a opinião
do realizador?
Hakän - Sim, há muito que voltámos as costas ao mar, mais facilmente procuramos
atenção, apoio e validação da Europa, do que arriscamos ser grandes
atirando-nos para um mar desconhecido. Apesar desta realidade, cremos haver uma
nova geração pronta a arriscar, inovar mas tendo em conta a nossa cultura e
portugalidade.
- Se falarmos de
mar furioso, Nazaré surge de imediato. Nunca pensaram filmar um vídeo que possa
ilustrar o vosso som? E por que não vídeos para acompanharem os vossos
concertos?
Hakän - Actualmente temos um videoclip para a Numb e um visualizer para a Ten Ton
Heart, temos ideias para mais vídeos, mas a dimensão das músicas e a nossa
exigência guiam-nos para um tipo de trabalho que até ao momento não pudemos
fazer (é preciso priorizar os investimentos). O aspecto visual e cénico nos
concertos também é algo em que estamos a trabalhar, mas temos de ser práticos,
agora a prioridade passa por dar a conhecer Heavy Ocean ao maior número de
pessoas possíveis, para que nos queiram ver ao vivo.
- Como olham para o cenário de bandas do tipo em Portugal? Vêem
união?
Hakän - Temos tentado encontrar bandas do género para tocarmos
juntos, e já temos alguns nomes apontados. No final do ano passado tivemos um
experiência muito bonita com os Icosandria, em que nos juntámos para um evento
intimista promovido pela duas bandas e que resultou muito bem.
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Hakän Säs Hipolitür |
- Sei que tu, Hakän, estás envolvido em "conservar" alguns nomes
associados ao Stop, uma vez que o seu legado tem sido negligenciado. Como tem sido a resposta das bandas quando pedes para participarem nesse
levantamento? E como os Heavy Ocean, uma vez que lá ensaiam, olham para o
futuro do Stop?
Hakän - Sim, tenho andando, na medida que o meu tempo me permite,
a recolher testemunhos de pessoas que vivem ou viveram o C.C.Stop, não só
músicos. A resposta das pessoas é sempre positiva, se bem que a proactividade
já é mais reduzida, em grande parte motivada por anos e anos de total ausência
de resultados. Enquanto banda, olhamos para esta situação com muitas reservas,
o Stop é muito importante para nós e para a comunidade aqui ali se formou,
esperamos que tudo se resolva da melhor forma e que possamos continuar a fazer música
lá.
- Não acham que está a faltar aos H/O mais visibilidade noutros
circuitos aqui deste país?
Hakän - Claro que sim, é a parte mais frustrante disto tudo,
temos sempre um bom feedback sobre o nosso trabalho, mas é difícil chegar aos
“sítios”. É claro que em grande medida a culpa é nossa, uma vez que a “vida de
adulto” nos condiciona muito o tempo para dedicar a contactos e divulgação.
- O que têm planeado para o futuro?
Hakän - O plano é simples, divulgar a banda, dar concertos e
compor novas músicas.
Entrevista: Priscilla Fontoura
Imagens: H/O
Créditos das Imagens: Seven Concept Media
Esta entrevista não foi escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico.
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